domingo, dezembro 24

VEREDAS

O que é ser mulher
Nesta vida indireta
Ser atuante
Ser dama...
Ser duas, três
Ou apenas pesquisadora
Incessante do que será
Da primeira face esquecida.
Ser mulher em
Corpo quente e mórbido
Com certeza de vida
E jura de morte.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 07 de junho de 1996.
BICICLETA

Decidi compor
Minha carta natal
Ser Prosérpina,
Natali Col,
Maria das Dores
Num arroubo
De sanidade
Modificar os rumos
Sem rimas,
Casos ou causos
Sem dizer verdades
Nem mentiras
E viver
Rascunhos esquecidos
Num canto do armário.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 29 de maio de 1996.
DIÁLOGO DE FORMAS

Despertar
espichado
formado por curvas
envolta
vai
e
voltas sinuosas
suas
Instintivamente
Compreende e me aprende
num balanço interativo
volátil
Novo ser andrógino

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 14 de maio de 1996.
ARCANO XX

Jazemos
Num mar
Em turbilhões
Demências
E nós sempre
A descansarmos
Com fé morna
A hora do Juízo Final!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 08 de março de 1996.
ALEGORIA

Papai Noel
Nada mais
é
Que desejo!
Desejar
Que se descubra
Anseios escondidos
Sonhos empoeirados
Fantasias foscas,
Que traga o prazer
não-achado.


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1995.
HISTÓRIA DE UM ESQUILO: PARA ADULTOS

Outro dia, vi um esquilo pequeno preso pelas garras nas cascas de uma árvore. Ele me deu a vertigem dos que se movimentam em pânico na hora da fuga. Com a cabeça erguida enquanto o corpo voltava-se para baixo, ele descia com rápidas estancadas pela árvore e trazia uma vivacidade no olhar de quem vê o que está longe e procura alcançar.
Aproximei-me tomada por carinho maternal. Queria capturá-lo através da foto e torná-lo meu! Tê-lo guardadinho para em momentos de desânimo ser reanimada pela força do olhar daquele esquilinho. Falhei... A foto não deu conta do que meu olhar percebia. Fiquei com uma imagem sem alma.
Correria pelo pátio em volta do museu quando o esquilo passou aos galopes. Tentei correr, gritei de alegria e agonia. Perdi! Perdi o esquilo! O carro voltou ligeiro descendo pela estrada em voltas e curvas da serra, porém, nenhuma velocidade motorizada era pálio para o pequenino. Ele possuía a velocidade do vento em si e me contaminou com seu vôo por terra, me deu uma visão de liberdade que não havia percebido nem em passarinhos, nem em aviões e muito menos em asas deltas. Ele voou com patas e unhas afiadas, num puro movimento de vida que deseja prolongar-se.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, maio de 2005.

sábado, dezembro 23

E-MAIL PARA SANTIAGO

Senso de realidade
rouba os encantos da paixão...
É poético o fato.
Pena, pena que embora feliz
Ainda consiga ver o mundo
com todos os tons de cinza.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2004.





CARDUME PSICODÉRICO

Que peixe fora d'água que nada!
Somos peixes do ar,
apenas isto,
apenas outra espécie
que é meio homem,
meio bicho do mato,
meio estrela cadente,
meio Orixá,
meio Lua e mar,
com alguns muitos pedaços
deixados pelas vias e veredas roseanas.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2004.
REBELDIA

Não quero morrer e virar cartas
Não quero morrer e virar como-era-maravilhosa
Porque não sou!
Na verdade, não quero morrer mesmo...
Quero a eternidade de um abraço
Que me acorde nas manhãs de domingo
Pelo menos uns trinta anos antes do inevitável –
pois não tem jeito, se morre...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2004.

TEMPORALIDADE

www.hoje//é_véspera_de_amanhã. sempre

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2004.

ESTADO DE GRAÇA

Com a Primavera tudo mudou:
laços, com nós por baixo,
tornaram-se fitas longas,
estradas visitantes de praias,
vales, planaltos, montanhas
a caminho do deus,
vias limpas, frescas,
perfumadas e claras,
caminhos rumo à luz;
o mar e os rios cantam em festa,
é o renascer da Menina –
visão do mundo por olhos de fé –,
é a energia manifesta no homem,
pois todas as feras são afastadas,
é a vida sendo restituída.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2004.


ODARA

Quando se tem fé
e se ritualiza esta fé,
o concreto torna o abstrato palpável
e, sobretudo, possível.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2004.
NEXT DAYS

A solidão é possível quando se está
Pleno de vida e cansado desta,
Quando já se amou muito
E foi amado ao mesmo tempo
Quando se dá por finito tudo
E ainda se consegue
Fazer planos
Para mais cem anos sobre a terra.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 22 de julho de 2004.

SEM TÍTULO I

Às vezes, como agora, eu quero
Ter a oportunidade de nascer de novo,
Para poder descobrir o mundo, talvez,
De outras formas.
Quero a chance de tentar não fracassar
Nos meus experimentos tão freqüentemente
E ter que fazer reparos permanentes
Nas conclusões de meus relatórios.
E, nessa nova vida, poder ficar
O mais longe possível de gente.
Seria um eremita júnior!
Leria o mundo pelos sentidos
E dos homens teria
O que eles contam nos livros,
Contato mais nenhum.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 22 de julho de 2004.

FIGURA GEOMÉTRICA

Minha cabeça é hexagonal,
Guarda sonhos e delírios,
Dores e faltas, Sabores-saberes,
Dúvidas e doubts,
Interjeições e alegrias pelos cantos
E deixa um a disposição
Para tudo de novo
Que for surgindo,
Para tudo que for inclassificável.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 18 de julho de 2004.


NATURAL

O amor é a manifestação,
Em nossas vidas,
Do caos.
Por isso, ele assusta,
Cega,
Seduz,
Surpreende,
Enlouquece,
Ameaça o homem.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 26 de junho de 2004.
DOMINGO DE RAMOS

Chove espaçadamente e estou viva.
Molho a mão, o rosto.
Olho as pessoas através da janela.
A vida prossegue borbulhante,
Em alvoroço, sem se dar conta de mais nada.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 04 de abril de 2004.
ATO EM SI

Queria ter alguém para telefonar.
Então, ligo, em pleno domingo,
Para uma repartição pública qualquer.
A chamada insistente
É minha forma de protesto e alívio.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 04 de abril de 2004.
CONSCIENTIZAÇÃO EM DÓ MAIOR

Esse cansaço do humano
Me enfada,
Me faz delirar em pleno dia:
no deserto da Austrália
um canguru observa o pôr-do-sol com satisfação.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 28 de março de 2004.

SENTIDO LINGÜÍSTICO

Rosa: signo, significante, significado.
La rose c’est moi!

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 28 de março de 2004.
ANIMA

Um menino me ligou
E foi a juventude em festa! – a minha e a dele.
Era a alegria que antecede o pasmo do real.
Era um quê de felicidade,
Um rasgo de glamour que passou
Quando veio a voz amarga da anciã
Que habita aqui a indagar:
- E o amor?
Passei o restante do dia triste...

Rio de Janeiro, 28 de março de 2004.
Angélica de Oliveira Castilho
SUI GENERIS

A forma de pôr a mão
Em meu ombro esquerdo
E conduzir o restante dos corpos
A um abraço sôfrego, doído, amado
É o que me atravessa a lembrança
Tal qual um raio,
Mas também
É o que ainda me salva!

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 28 de março de 2004.

DIGRESSÃO

Li “subterfúgios” e fui até o dia
Em que usou um para me tirar de sala,
Me roubar um beijo suspirado,
Me tirar do prumo.
E qual uso agora?
Tarde morna, de vento parado e dominical.
Que saudade do sotaque pelo telefone,
Da letra em meu rascunho,
Do olhar fixo no tornozelo,
De ser querida em lato sensu.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 28 de março de 2004.

AVE, LAETITA!

Ando com uma saudade do Rosa,
com uma vontade errante
de ir pelos sertões
e ser tão mais eu mesma
naquela imensidão de palavras-universos.
Ando com vontade
de descobrir emoções, versos
e tomá-los pelas mãos
e girar até cair em êxtase abençoada notudo.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 21 de março de 2004.

SAUDADE

Saudade é a aflição
de desejar algo – alguém! –
que não se sabe querido.
Por isso, sofre-se revoltosa
e involuntariamente
em delírios lúcidos
de roteiros com encontros
que, provavelmente,
serão inexecutáveis...

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 2004.

REALIZAÇÃO

Beijos periféricos:
nuca, queixo, umbigo, coxas.
Mãos escavadeiras:
carne, nervos, vasos, ossos.
Posse do outro
na ânsia de acoplamento.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 2004.

PEQUENOS DESEJOS

Quero de você
a paz - no stress,
afago leve,
sombra de tensão,
repouso pós-guerra a dois -,
fechar os olhos na primeira revoada
num recomeço de semana,
sem indagações do amanhã.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 2004.

ÀS MUSAS

Fui mordida pelo fruto do Bem e do Mal.
O conhecimento que desejava ter
Agora me tem.
E o desejo, serpente astuta,
Se mascara com as mais fascinantes promessas
“Bonheur! Bonheur! Bonheur!”, diz
E meu espírito leva.
O pecado não existe,
Sabedoria é salvação.
Deus a deu a Salomão em doses generosas.
A perdição e saber que é curta a vida para compreender tudo que se dela deseja
O dilaceramento está na escolha:
vivê-la sem questionar mais nada
ou buscar as coisas saber.
Ah, como é curto o tempo...
Vive melhor quem ignora?!
Não tenho coragem de vomitar o fruto,
Seu sabor é único e vem à boca
A cada livro entendido,
A cada observação feita
A cada olhar que enxerga.


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2003.




DILACERADA!

Pedaços de mim flutuam pela casa.
Outros estão largados
Na Letras,
Na Linha Vermelha,
No Túnel Santa Bárbara,
Na Lagoa,
No Humaitá – campo de batalha! –,
Em Santa Tereza – nas ladeiras
a caminho do calvário onde
me sacrifiquei ao Homem
e de onde correu meu sangue
que banhou a nós
que banhou a cidade
em explosão sôfrega
de beijo-chorado
entre abraços-espadas
olhares-meteoros
palavras-cadentes.
No Santos Drumond...
Eu era Cristo, Joana D’arc,
São Jorge em suas mortes,
Em suas vidas...
Eu entendia, enfim,
Que a suprema alegria do encontro
Pode ser, igualmente,
A dor absoluta da perda.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 15 de março de 2003.