terça-feira, dezembro 25

EPISÓDIOS V

Lobo solitário chama na noite:
Chuva, chuva, chuva, chuva!
Festa!
Uvas maduras ao alcance de todos.
Passeio cadenciado pelas fileiras de cadeiras,
Fotos de corpos.
Olhar fixado em ninguém:
O tempo passou e só Carolina não viu...

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 dezembro de 2007.

segunda-feira, dezembro 10

EPISÓDIOS IV

Saudade de mim mesma
Em você.
Mas o meu desespero
Me leva pra longe, pra bem longe.

Você lindo, lindo...
E eu triste com tanta alegria.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 04 dezembro de 2007.
EPISÓDIOS III

Gula de beijos teus
No escuro da sala de estar sendo feliz.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 04 dezembro de 2007.

domingo, dezembro 2

NEBULOSA DE MARTE

Tudo errado e não se sabe como sair. Lugares que passam pessoas. Vidas em danças sem ritmo – marcha nazista de passista cega. Deslocamento de sentimentos que não deveriam ser transitórios. Amizades e amigos que não se entendem apesar do amor. Risos dementes e paradoxalmente felizes: alegria do convívio. Não se sabe quem é a moça de branco que passa lívida, tropeçando em si mesma. Sangue nos olhos que nada vêem – pétalas marcando o caminho. Não se sabe o praquê da vida.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 02 dezembro de 2007.
INEFICÁCIA

Luto, reluto.
Amor, ira:
Pontas de um novelo.
Diante dos fatos
As mãos abertas,
Espasmódicas.
Lágrimas que não caem.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 27 novembro de 2007.
EPISÓDIOS II

Meus amigos não são meus amigos
Ou eu nunca soube o que é amizade?
Tendências para o desencontro.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 27 novembro de 2007.

sábado, novembro 24

EPISÓDIOS

Cada movimento de lembrança
conduz a um cemitério interior.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 21 novembro de 2007.

domingo, novembro 11


COISAS DE VIVER

Ah! Esses olhos que tudo vêem...
Esse corpo que tudo quer,
Que tudo sente,
Que por muito arde,
Que se perde em caminhos que não há.
Essas palavras que são um mundo
E que não resolvem.
Essas mãos que nada prendem.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 11 novembro de 2007.
BALDINHA PARA UM OGRO

Meu lindo... meu rei, que saudade de ti!
E esse vento morno, entontecendo pensamentos,
Amolecendo corpo,
Que insiste em invadir o quarto
Lembrando teu calor.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 1o. novembro de 2007.

BALADA DE ARIADNE

Sempre desconfiei que Apolo fosse um chato.
Esse blá blá blá de clareza
Não ta com nada.
Bom mesmo é ir fundíssimo em tudo
Ser arrastada por
Gargalhadas, mãos, salivas, pêlos,
Boba a boca com o desejo,
Olhos marejados de gozo.
O resto é besteira!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2007.
PROIBIDA PRA MENORES E MAIORES

Engatilhada
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere.
Mulher com alma de menina.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2007.
CRÔNICA FELINA

Gato sem dono é gato feliz! Vida de gato não inclui coleira, hora marcada, correr atrás de próprio rabo. Gente que se vê nessa mesma condição de personalidade e felicidade já foi gato em alguma vida e insiste nessa solidão beatificada, nesse olhar sarcástico, sério, doce, nesse fica a contemplar da uma mureta qualquer o mar em dias de ressaca sem correr, porque também tem a alma revoltosa. Comunga com o movimento da vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2007.

ESMERALDAS

Tudo de gato:
Olhos blasés,
Bigodes-antenas
A farejar sentidos – doídos, doídos... –,
Língua percorrendo de cabo a rabo o mundo,
Experimentando venenos com gosto bom – aparências fakes –,
Independente a passear pelas ruas com ou sem luar,
Arrojadamente só e, pasmem! Feliz – felino sem ser ferino.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2007.
À LA MICHEL MELAMED

O amor não é eterno.
Nos atos e palavras de torná-lo
Para além de tudo e todos,
Precipitamos sua transmutação
Em sentimento oco,
Pronto para explodir e propagar vazio.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2007.

DEAD LINE

Somos
o único animal
que
deliberadamente
procura a autodestruição
que opta pelo erro
sabendo ser erro.
Talvez, por isso, sejamos
o único que enlouquece.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2007.
REFLEXÃO

Com que você compartilha sua alegria?

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2007.

CICLO

O zero é um número metafísico.
Inicia. Antes do nada só vazio.
É o oco antecedente.
O caos inicial poderia ser representado por ele.
Zero é o desenho matemático do gênesis.
E depois dele não há mais nada.
Ele não é sucessor de nenhum número:
Cobra engolindo o próprio rabo.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2007.
CHAMADO

Você…
Você.
Você!
Ligou
E eu
Fora de ar,
Fora de ti: braços, boca
Pernas, ombros, barriga...
Fuera de tu vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2007.




INAPREENSÍVEL

No meio do segundo existe você:
Flecha rompendo céu à noite,
Invisível! Invisível!
Apenas possível
Pela boca que tateia pele,
Engole cheiros, bebe vozes.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 04 de outubro de 2007.




O DIA SEGUINTE

Vivi a experiência
solitária
de negação à vida.
Ruídos de alma
percorrendo corpo
procurando corpo que não há.
Dor de razão.
Razão de guiar o destino.
Vivi a morte
antes da vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2007.

DAS ANDANÇAS

Tenho pavor a arrependimento
Por isso faço uma merda atrás da outra.
Mas vivo! Ah... se vivo!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2007.

MATERNIDADE

Tudo em dobro é
dor e alegria múltiplas,
tudo ao infinito de possibilidades,
tudo mais e mais e mais...
E um vazio crescente
causado pela exaustão
de ser plena: mãe e/ou filha.
A condição é o de menos quando se é.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2007.

quinta-feira, novembro 1

ALÉM DO BOJADOR

A vida,
Se for pesada ou não,
Depende de tua força.
Doar o corpo todo
Em exercícios de existir
É preciso.
Transcender depende disso!

Boa vida nova!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2007.
AÍ DE NÓS!

Duas almas se chocam. Fogo e água. Mélange. Fluição e fruição. Perdem-se corporalmente também. Um vai embora sem algo com a ilusão de plenitude comprada em shopping. O outro fica totalmente vazio de sólidos, sem recibos ou notas fiscais. Ambos com espaços para preencher de idéias, desejos, desencantos.
Sempre colisão, sempre, sempre!
Dois universos paralelos com todos os correspondentes contrários cruzando-se num daqueles momentos em que Deus dá uma cochilada. E, portanto, eles abalam a ordem de seus eus pequenos e burgueses. Ficam de pernas pro ar! Tocam-se, trocam-se em invasões profanas – identificação sem marcas de autoria.
O que é de um e do outro? Não sabem... E vão sendo, simplesmente sendo, em desfazer-se e/ou fabricar-se cortante. Ansiando mais estranhamentos que consideram normais, comuns e familiares até.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2007.
INCOMUNICABILIDADE

Jogo garrafas ao mar todos os dias
E são muitas as leituras da metáfora desse mar...
Algumas voltam, outras se perdem, simplesmente, se perdem
Em redes de pesca, em recifes, em estômagos de tubarões
Ou ainda são quebradas por pranchas
São lidas as mensagens? Incógnita!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2007.
TORPEDOS

– Estou com uma vontade enorme de te...
– Se eu fosse um gênio, realizaria teu desejo agora...
– Só esse ou todos os meus desejos?
– Todos! Afinal, eles se confundem – fundem – com os meus.
– Olha, olha que eu vou cobrar!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2007.
CANTO

Motor! Ranger de dentes, lubrificação, secreções,
Ardência da face arrastando-se nos lençóis.
Ode futurista a mais antiga das máquinas: corpo!
Corpo teu que, posseira acidental,
Faço-o meu, in-tei-ra-men-te meu!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2007.
HÁ A NECESSIDADE SUPREMA DE ABNEGAÇÃO NO AMOR AO SAMBA

O título é um trecho de Hiran Araújo, um apaixonado por carnaval e estudioso dedicado do tema. E é em nome de amor igualmente incondicional que amigos fundamentais – como conceitua belamente Nelson Rodrigues – fundam um bloco singular que ousa ir além do real e aceitando quem for bom da cabeça e sadio do pé mesmo por vias virtuais.
Em um primeiro momento, nossos desfiles se limitam pelos bares e nosso som e à capela. Usamos o instrumento musical primordial: a voz.
Com três etapas, logo, com três nomes distintos. Eis o mistério da trindade carnavalesca: Cordão da Jaca Dura, Unidos da Afliceta e Pororoca. Um está no outro e os dois primeiros formam o terceiro: encontro das águas com todo vigor e beleza que há nos encontros da vida!
A saudação entre os integrantes: Evoé! Evoé! Como bons carnavalescos, saudamos a Baco. “Evan” é um dos epítetos do deus, que nunca esquecido, permanece entre nós nesses dias momescos e por todo ano pelos bares da cidade. Podem nos chamar de bacantes, embora não cometamos toda sorte de excessos como na Antigüidade elas faziam – os excessos agora são cometidos só por políticos... altamente apolíneos... Nossos excessos são de alegrias, de sorrisos, de incontinências prazerosas, que é o que carioca anda precisando.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2007.
LOUCURA

Ela partiu
e nunca mais
voltou.
Partiu
para um lugar
qualquer,
dentro de
um olhar
qualquer,
de uma
pessoa
qualquer
na multidão.
Hoje, temos
outra disfarçada
dela.
Muito diferente:
sóbria,
delicada,
enfartada pela realidade.
Ela se foi,
para nunca
mais voltar.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2007.
APOCALÍPTICO

Luz,
luz por todo lugar!
A terra é sugada pelo céu
e as águas invadem olhos, bocas,
levam corpos para nunca mais.
Estrelas de mil pontas
e uma mulher vestida de sol anunciam o final.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2007.
RETALHOS POÉTICOS

Tire seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor.
Meu coração não quer dinheiro,
quer poesia.
E agora, José?
Tudo vale a pena:
Uma faixa amarela bordada.
Não quero choro nem vela
quero uma fita amarela –
ou a tal faixa...
To be or not to be,
Pãos ou pães é questão de opiniães.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2007.
TALVEZ NIETZSCHE ENTENDA

Sou de uma intensidade
anacrônica!
Intuo seriedade
em uma ida ao cinema.
A latência de uma crise
que se anuncia
nesse simples ato me fascina!
Estou
deliciosamente
fora de meu tempo
e comungo no agora do passado e do futuro.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2007.
MEU!

O não-amor
reúne
todas as possibilidades de amar.
Não se encaixa,
não tem rótulos,
por isso é tragicamente uma sensação sem palavras,
tragicamente belo...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2007.
SIGNO

Peixe a esgueirar por
vagas
de não ser.
Nada define.
Sou sem estados.
Não há nomes
para minhas muitas funções,
condições.
Vivo na intermitência – penitência? –
de um não-lugar constante.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2007.
CIRANDA

Beber contornos,
cada vão.
Palmear a pele, arrepio!
Sentir com boca, língua, pernas, virilha
o corpo inteiro.
Esponjar-se como gata
e ronronar
as ânsias dos atritos.
Engolir seiva,
adornar-se com pêlos, suor,
fazer do corpo do outro
moldura do meu.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2007.
CANTO DE GUERRA

Pertenço à casta dos guerreiros,
O sopro de Ogum me movimenta
Ogum ê!
Meu pai, me leve pelas mãos,
Abra os caminhos meus!
Em sua garupa, veloz sigo adiante,
Rosto é espelho de sua força.
Ferro percorre corpo
Corpo é aço contra o mal.
Ogum conquista o externo e o interno
Vence batalhas dos homens, batalhas das almas.
Lucidez expressa na loucura da ação.
Ogum acode!
Ogum é justo!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2007.
SUMO

varão: metonímia e metáfora,
representação perfeita,
vara em vai e vem:
vida(!) derramada
pelo lençol, pelo chão,
pelos corpos em caracol
esquecidos de despertar,
colados por visgos salgados,
alagados em suor,
naufragados em mar particular.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2007.
QUEDA EM NÓS

Sinto a flor da tua dor
De pétala em pétala:
Gotas de sal caídas em pontos de meu corpo.
Unhas raspando pernas, ventre,
Mãos apertando seios,
Gozos em ais: dor!
Entrega final de alma.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2007.
INFÂNCIA

I

Meu tio e padrinho correndo da noiva!
Saltos e saltos pela janela do quarto
Fingir de doente arrumado por baixo do lençol para ir par ao samba.
Boêmios de Irajá...

Mulatas lindas entrando
Estátuas de vermelho e branco
Na sala de estar
Eu menina puxando os pompons brancos da roupa de uma delas.
Fascínio! Quero ser assim quando crescer!
Boêmios de Irajá...

Meu tio me fantasiava de vascaína
E levava para passear na estação, na porta do cinema.
Boêmios de Irajá...

Velocípede de acento de madeira
Ovo de Páscoa com bolinhas de chocolate dentro
Único banho na piscina do clube.
Boêmios de Irajá...

Dos filhos de meu tio, dois homens, nenhum ama o carnaval,
Nenhum ama a noite.
Vascaínos por descuido.
O legado foi passado poeticamente
Através de uma presença que se fazia pela alegria de viver,
Encantamento de convívio.
Boêmios de Irajá...
(17.07.2007 – 10h10min)

II

Menininha indo dormi:
– Bença, Mãe!
– Bença, Pai!
– Bença, Dinda!
– Bença Dindo!
– Bença vô...
Mergulho em berço esplêndido!
O siom do mar vinha de dentro da noite,
De dentro de mim...
(17.07.2007)

III

Eu pedia para minha vô me cobrir e rezar
Antes de dormir.
Ela ficava sentada,
Fazendo sombra
E a luz chegava ao meu rosto,
Então, podia ter um banho só do olhar cansado de minha vô.
Que saudades da minha vô!
Que orgulho da minha vô!
Portelense
Chopinho claro ou escuro.
Passeios pela Tijuca!
Confeitaria Colombo!
Velas para as almas!
Coque grisalho...
Reminiscências de uma netinha com mãos de pianista...
(17.07.2007)

IV
– Baia! Baia!
– Oh, minha branca...
– Cê vai no meu aniversário?!
E ela foi de azul brilhante
E me deu alegria.
Corria para ela onde quer que estivesse,
Abraçava, beijava aquela mulher negra, forte, trabalhadeira.
Tanto amor, tanto carinho.
– Mãe, ce vai levar chuchu para Baia também, não vai?
O que aconteceu com Dona Maria?
(17.07.2007 – 10h 34 min)

V

– Cachorrinho lindo!
Meu primo adolescente me deu para segurar e disse que poderia ficar com ele. Pedi ao meu pai se poderia ficar com ele mesmo. Queria derrubar sobre o pequeno baldes e baldes de brincadeiras!
Sai de casa da minha tia com meu pai levando um saco de papel pardo, com o cachorro dentro. Peguei o ônibus, desci e fui correndo para casa levar meu cachorrinho.
Saco vazio... Todos mentiram... Foi minha primeira sensação de perda, minha primeira dor de engano.
A argumentação óbvia e mesmo verdadeira – você tem medo de cachorro! – o coro doméstico repetia. Não justificava, mesmo hoje, o engano. Se não podia, por que a oferta? Se não podia, por que o ilusório? Aprendi que os adultos mentem. Pronto: acabara de morder do fruto proibido.
(17.07.2007 10h 45min)

VI

Hoje, quando vou à Portela
Parte de minha infância vai comigo.
– Olha, vô, eu aqui!
Homenagem em samba e cerveja.
Certeza de que ela seria a mais linda das baianas!
(17.07.2007)


VII

Decididamente minha infância não foi drummondiana...
(17.07.2007)


VIII

Praga de madrinha tenho aos montes.
Todas já caducaram, graças a Deus!

(17. 07.2007)


IX

Biau de sorriso doce e suas histórias sobre a Bahia.
Quando ela voltou para Salvador fiquei cheia de saudade – inaugurava esse sentimento! Minha amiga adolescente não me esqueceu: recebi uma carta, ganhei uma jangadinha na sua volta. E assim foi minha infância e adolescência: povoada de histórias.
O primeiro dia que cheguei em Salvador, anos e anos mais tarde, eram aquelas histórias que lembrava, era o Elevador Lacerda que procura, era com Itapuã e Pelourinho que sonhava. Tudo igual, igual a Salvador da Biau. Descobri pasma que Salvador já existia em mim. Foi como visitar minha amiga, dar a mão a ela como quando criança e perambular pelas subidas e descidas da cidade.
Desde então, voltar a Salvador é voltar a encontrá-la e encontrar uma alegria construída por afeto, só possível de traduzir se comparada a um mergulho nas águas da Lagoa do Abaeté.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2007.
CASAMENTO

De colo em colo
entre tropeços, facadas,
arremessos, saltos, saltites,
angústias, alegrias!
Com feridas de guerra,
Colecionando cicatrizes –
que adquiriram até um certo charme.
Em farrapos, cansada, turva, pagando faltas de outras vidas.

No alto da alameda, o sim.
Clarins! Clarins! Clarins!
Corpo e cabelos escorridos
em um todo claro, esquio,
diáfano, sensorial, etéreo.
Mulher vestida de luz.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 03 de julho de 2007.

domingo, outubro 21


ADVERTÊNCIA

Não tentem procurar a Angélica aqui.
Por favor, não.
Ela está solta pelas ruas,
Pulando carnaval,
Envolvida em filosóficas conversas de botequim,
Lendo Clarice e Nelson,
Indo ao Anima Mundi,
Caminhando nas areias da Barra.
Quem surge aqui
Não tem nome nem rosto nem gostos
E talvez nem exista!

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2003.

PENITÊNCIA

Faleci.
E comi meu orgulho
Com areia e pás.
Levantei antes do Juízo final
O que foi uma falha.
Agora, fico perambulando
Entre o desespero e salvação.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2003.
MATURIDADE

Na adolescência, confundia paixão com tesão.
Agonicamente, tomava um sentir pelo outro
E como me consumia com culpa
Por meu caráter volúvel!
Hoje sei que as pessoas se apaixonam
Não só por corpos, mas pelo conjunto da obra.
Vivo mais sossegada.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2003.

QUARTO ESCURO

Saudade...
E senti você,
Cabelos negros
Como as pétalas do pensamento.
Manifestação apolínea,
Pitonisa que incorpora o ser amado.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 02 de novembro de 2003.

ÀS MUSAS

Fui mordida pelo fruto do Bem e do Mal.
O conhecimento que desejava ter
Agora me tem.
E o desejo, serpente astuta,
Se mascara com as mais fascinantes promessas
“Bonheur! Bonheur! Bonheur!”, diz
E meu espírito leva.
O pecado não existe,
Sabedoria é salvação.
Deus a deu a Salomão em doses generosas.
A perdição e saber que é curta a vida para compreender tudo que se dela deseja
O dilaceramento está na escolha:
vivê-la sem questionar mais nada
ou buscar as coisas saber.
Ah, como é curto o tempo...
Vive melhor quem ignora?!
Não tenho coragem de vomitar o fruto,
Seu sabor é único e vem à boca
A cada livro entendido,
A cada observação feita
A cada olhar que enxerga.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2003.
BILHETE ATEMPORAL

Aguardo você!

Aviões subindo, descendo.
Pessoas em trânsito.
Como venta, Senhor!
Espero há meses – uma vida toda.

Sabia que viria...


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2003.
PEDIDO

Os arcos como cenário
de meus amores –
batucadas cardíacas marcadas pelo surdo.
Nossa Senhora da Lapa,
dai-me um amor de verdade...
Iemanjá, olhai sua filha
que sofre nas quedas pelas ladeiras
de subida para Santa Tereza,
mas insiste na continuar!
Ela quer o céu da cidade,
contemplar a Marina
no aconchego de um abraço,
descer, depois, pelas vielas que se espalham:
Joaquim Silva, Mem de Sá, Lavradio, Senado.
Ela quer o samba que escorre dos sobrados.
Mamãe Oxum,
Ora iyê iyê ô!
Ajudai sua menina
Que chora perda do que não teve.
Epa hei oyá!
Iansã, trovejai!
Iansã, relampeai,
Clareai o olhar que procura!
Curais, mãezinhas,
O espírito espancado,
Revigorais a esperança
jogada entre os paralelepípedos,
caída moribunda aos saltos altos.
Já são muitos
os gritos que borram o batom,
as lágrimas que escorrem o rimel,
as mãos que desfazem o perfume
o suor que deixa a carne nua.
Piedade, todas vós!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 12 de julho de 2003.
PALAVRAS SINCERAS

És louco de pedra, meu amor!

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 06 de junho de 2003.

ERA UMA VEZ

Tudo começo quando ele disse “talvez...”
A partir de então, os dois se debatem.
São meias idas, paradas,
Algumas alegrias seguidas de desabafos,
Frustrações, agressividades, tensões.
E isto não termina!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de junho de 2003.
MEDOS

Cansadas de toute les choses
Duas pessoas
Repetem a luta primordial
Entre razão e amor,
Repetindo com banalidade
O que os poetas dizem,
Só para minimizar os atos
E disfarçar a dor.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 10 de junho de 2003.

CONTINHO

Ele brinca com a aliança dela. A moça pedia-se no ato. Era como se entrasse num mundo único. Eles perderam-se no tempo... No toque leve, atingia-se o mais íntimo. Havia um erotismo tão latente que não precisavam de palavras, de olhares. Deram-se um ao outro e retomaram à prática ancestral da entrega de forma tão sofrida e alegre que se passaram séculos. E forma um e foram muitos.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 05 de abril de 2003.
DESNECESSÁRIO

Não preciso passar por você
Que é rio caudaloso
Cheio de destroços
Que volta e meia esbarro.
No meio da travessia
Me pergunto por que,
Se já atravessei meu próprio rio
E meu próprio deserto.
Minha insistência
Não altera a voracidade
Com que as águas me cobrem,
Não ameniza o fluxo constante
Magoando músculos,
Desorientando pensamentos.
Não me afogo,
Não me é dada a opção de morte.
Talvez eu saia encharcada de ti
Entre exaustão e tranqüilidade.
Talvez... Talvez tantas coisas!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 20 de março de 2003.
CONFIDENCE

Falso cognato
E tudo mais me parece falso
Simplesmente
Porque só há palavras
Ninguém se abisma
Após as decisões pensadas.
A imobilidade é a tônica!
Confidencia isto então,
Para aproveitar a palavra.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 20 de março de 2003.
VIA TRANSVERSA

Dilacerada!

Pedaços de mim flutuam pela casa.
Outros estão largados
Na Letras,
Na Linha Vermelha,
No Túnel Santa Bárbara,
Na Lagoa,
No Humaitá – campo de batalha! –,
Em Santa Tereza – nas ladeiras
a caminho do calvário onde
me sacrifiquei ao Homem
e de onde correu meu sangue
que banhou a nós
que banhou a cidade
em explosão sôfrega
de beijo-chorado
entre abraços-espadas
olhares-meteoros
palavras-cadentes.
No Santos Drumont...
Eu era Cristo, Joana D’arc,
São Jorge em suas mortes,
Em suas vidas...
Eu entendia, enfim,
Que a suprema alegria do encontro
Pode ser, igualmente,
A dor absoluta da perda.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de março de 2003.

sábado, setembro 22


ROTEIRO POR SUZANA

Sorriso nos olhos em diálogo desconexo:
– Quer um pedaço?
– Não.
– Vai acabar...
– Meu pai trabalhou naquela obra.
– (Eu também te amo!)

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de março de 2003.

MUITO PRAZER

Quem é você que foge
e se refugia em lucidez?
Quem é você que quer
o infrutífero e o solitário?

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2003.

CAIR EM SI

Quando se tem a dimensão
da felicidade prosaica
contida nos dias banais
passados a dois,
se tem a chave do Paraíso e do Inferno.
O cuidado está em perceber o seguinte:
se abrir apenas a porta do passado
é porque o indivíduo está ardendo em clamas.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2003.

PROTEÇÃO

Cruz credo!
Senhor, livrai-me das mulheres mal-amadas.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2003.

VOLTA ÀS LETRAS

Um amigo me disse
Que ele só escrevia
Quando estava infeliz.
Hoje ele está casado,
Tem dois filhos lindos.
Disse também que
Quando eu estivesse com alguém pararia.
Não parei!
Meu processo é o transbordar
De tudo que sinto.
O que me castra, amigo,
Descobri há pouco,
É a racionalidade.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2003.

CONVÍVIO INICIAL

Sabe aquela sensação de já
Conhecer a pessoa há muito tempo?
Pois é... Não é isto.
O que me dá conforto
É ter a profunda certeza
De que não conheço,
É o mistério.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2003.

ÊXTASE

Tua presença me purifica
Porque me faz pensar-me
Tão intensamente que me dói
E me consome cada centímetro dos órgãos.
Sinto-me lavada por fogo!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2003.

SAVE OUR SOUL

E eram dois náufragos
nas ilhas deles mesmos,
enviando sinais ininteligíveis,
mensagens truncadas
de uma dor e de uma alegria loucas,
esperando numa angústia muda
o resgate do e pelo outro.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 09 de fevereiro de 2003.

FELICIDADE

Aprender-se através do outro é uma tarefa.
Dói tanto que fico sem ar às vezes
E me levanto no meio da noite
Despertada por um rosto
E preciso de ar, de água, de andar,
Enfim, de chorar a estranheza de descobrir-se.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 09 de fevereiro de 2003.

BONANÇA

Hoje estou em paz,
Absorta em músculos,
Suores, livros, aromas,
Líquidos, luminosidades.
A noite Anterior foi de tempestade,
Pranto e ranger de dentes,
Furações de dor!
Tudo causado pela mais
Devastadora solidão.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 2003.

CONSTATAÇÃO TRISTE

Mas é que as pessoas
não se permitem ser amadas
nem amarem as outras.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 2003.

ARROBO DE AUTOCONFIANÇA

O que falta em mim? Nada!
Tudo está completo
Porque o que não tenho já tive
E a lembrança é uma forma de prêmio.
Então, quando me pego em solidão,
Acho graça.
Afinal, tudo é transitório: felicidade, dor, amor, parto.
O que fica é fita de vídeo sentimental.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 2003.

NATURALIDADE

Encerro em mim
Todo ódio e todo amor da humanidade
Com a simplicidade de quem respira.
A questão é que rasga algo da ordem fortaleza
Impelir e expelir o ar.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 04 de fevereiro de 2003.

PURGAÇÃO DA ANIMA

Arriscar-se no outro
Implica adentrar-se
Primeiramente.
Ir abrindo trilhas,
Procurar visceralmente
As dores da existência de um eu escolhido.
E que força hercúlea,
Meu Deus, é necessário...
É um arrastar-se no deserto
Com as pernas quebradas à noite,
Com frio e fome,
Com medo e lágrimas,
Sabendo que nunca terá certeza alguma.
Não há promessas!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 2003.

sábado, setembro 15


TRANSBORDANTE

Estou doente de vida
de tal forma
que, caso estivesse grávida,
morreria de excesso.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2003.

CALVÁRIO

Nunca foi tão penoso existir.
Saber-se humano dilacera lentamente:
Facas de lembranças, constatações, descobertas.
Existir apavora e cativa.
Ama-se dolorosamente existir.
Fica-se a um segundo da loucura
Tanta é a lucidez de ser incapaz.
A mulher no reflexo do vidro da janela do metrô
É tão bela que dói.
Assustadoramente triste!
Ela sabe que existe e que também disfarça viver
E é só! Apenas isto!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2003.
AMOR

Pavodor!

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2003.
DESCOBERTA

Um livro é potencialmente
presente de grego.
Dele podem saltar
Mundos, fatos, sentimentos, maldições
Na escuridão do vão entre uma página e outra
E tomar seus donos de repente.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2003.
TEMPO

Dê-me paciência, Senhor,
Para saber esperar o tempo,
Discernir entre
O certo e o errado – são momentos! –
E saber quando existir o pleno.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2003.
LENDO DRUMMOND

Sento a dor do mundo
Passada de ombro em ombro,
Corações inflam e arrebentam,
Tristeza inundando
Uma vida inteira
Erros muitos, acertos vários
Escorrendo e ficando
Pelos cantos do quarto.
São fantasmas – Eu sei! – a se levantarem
No menor indício de angústia.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2003.

ESCAPULIDA

Qual seria o ponto eqüidistante
emocional entre nós?

Nelson Rodrigues me chama...

Continuo em lacunas,
vácuo.
O caos liberta?

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2002.

AO SOM DA VALSA NO. 6

Veio à lembrança o bilhete apressado com pergunta fatal. E a fatalidade é tudo que temos. E a fatalidade é tudo que somos nesse universo só nosso. È demasiadamente provável que eu seja a personagem clariceana que você acha e que se perde em si mesma tentando achar o outro.
A saudade agora é calmaria. Existe placidamente. Queria tanto nós e o mar... Olhos capitulinos os nossos que atraem e repelem em ondas diárias.
Cronos é um deus sádico e tirano, amarra nos minutos as mais intensas alegrias e agonias.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2002.
VIDA

Estar aqui
É como ser nublado:
Não se é uma coisa nem outra.
Se é intervalo, apenas inquietante intervalo,
Um por enquanto perene e só.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2002.
APRÈS

Dores que não senti
pelas verdades ilusórias
pelas quais fiquei insone minutos astrais.
Brevidade dos beijos
Furtados, sôfregos, proibidos
É a agonia estendida
Que não se torna ontem.
Felicidade tem disso:
Atropela a gente anestesicamente.
Só depois – depois do agora longo
De sua estadia – é que dói.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2002.

DESPENCAR

Precipito-me em ti
E fico a vagar
Em emaranhados de suspiros,
Dores, divagações, ansiedades,
Tesão, arrependimento, culpa! calmaria...
E a cair cada vez mais
Em relâmpagos de atos.
Tudo acontece sem ao menos
Me dar conta da queda.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2002.

SENTIMENTO INOMINADO

Que nomes recebem
A melancolia de te ver partir,
A ansiedade de te ver voltar?

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 03 de setembro de 2002.


CRÔNICA DOS DIAS SEM VOCÊ

Ontem estava grávida de tua presença, impregnada de tuas lembranças e vi o ventre crescido dentro de roupas claras, o cabelo desalinhado, um sorriso. Felicidade intensa. Não era mais sonhar acordada. Deu uma certeza de que tudo era possível: senti tua boca fagueira, teu perfume ligeiro, tua voz calmamente.
A felicidade da hipnose e a realidade do momento preencheram o vazio deixado no adeus do embarque. Uma saudade quente, doce, úmida. Acalanto de sotaque pelo telefone. Mas hoje um banho de claridade limpou de mim o conforto de ti. Hoje, amanheci em processo de aborto: limpa, nua, cabelos molhados diante do espelho. Estou aterrorizadamente una, inegavelmente só!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 03 de setembro de 2002.


DISTÂNCIA

O sol que nasce aqui – rio de inquietações –
morre em ti – plano alto –
estagnado, calado, isolado.
Só teu espírito vibra!
O olhar voltado para Sudeste no amanhecer
Não é o bastante,
Não atinge o outro olhar
Que se volta para o Centro Oeste ao entardecer.

Verdadeira súplica dos dias cíclicos...
Viciosamente ininterruptos...

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2002.

DIVISÃO SEMÂNTICA

Baralho sem dono,
Quarto vazio,
Arroz no prato nu,
Cinema mudo,
Dança sem par,
Velório com música,
Bolo sem festa,
Quarta-feira de cinzas: eu.

Miragem,
Esfinge,
Cansaço: você.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 14 de maio de 2002.
NA ESTAÇÃO

Tristeza ao te ver passar
Seriamente outro, seriamente
Farto, seriamente estranho
E não seguir
Com meu todo perplexo e entusiasmado
Seu todo cabisbaixo,
Seus passos deslizantes,
Sua miragem.
Petrificada, triste, triste, triste
Me deixei entrar pela massa
Que em solavancos ocupava o vagão.
Meus passos também se desfizeram no ar,
Meus passos de solidão.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 14 de maio de 2002.

ORÍKI

Oraiyê iyê ô, mamãe Oxum
Que nas águas reina
Com beleza e harmonia,
Que agita olhos marejados:
Cascatas, rios para os martes.

Oraiyê iyê ô, minha mamãe
De águas doces
De muitos amortes
De espelhos enfeitados
De cabelos perfumeados
De alegrias e sorrisos – felicidade!

Oraiyê iyê ô!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2002.

TRÁGICA

Verdadeiramente, a única carta de amor foi
A derradeira e fatal de uma história de amor,
Dessas que se vive intensamente
Em turbilhões de pensamentos, pernas,
Sentimentos, bocas, corações sedentos,
Palpitações, gozos, vertigens,
Insônias, alegrias, ilusões,
Realidades, sofreguidão absoluta!
Esta foi a única carta, senhores.
A maior e a mais dolorida de todas...
Esta sim, foi de amor.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2001.
GATA VIRA-LATAS

Pulo muros,
Subo em telhados,
Quebro telhas e vidraças,
Brigo por um pedaço de carne,
Tenho sede constante,
Sumo noites e noites:
(des)encontros amorosos...
Volto dia clareando,
Exaurida das viagens físicas e anímicas.
Cada escapulida
cette une pettite morte.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 12 de agosto de 2001.

REVIRAVOLTAS

Princesinha, o que sobrou do seu papel?
Um ser espreitando o mundo,
sagaz,
negando o desejo primeiro
por não ser – nem de fato nem de direito –
a sonhadora de outrora – Aurora sem Felipe, sem castelo, sem pai bondoso.
Anônima e catatônica!
Pessoa seca pelos anos vividos em poucos instantes:
Frustrações relâmpagos.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 09 de agosto de 2001.
DÚVIDAS

Por que o outro
É um pântano
Que hesitamos/insistimos
em pisar?
Mas como amar
Sem fazer
A travessia por terreno incerto?
Mas como viver, meu Deus,
Sem o riso da mais profunda infelicidade?

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 05 de junho de 2001.



TRISTEZA

E o frio
que invade...
é um guerreiro forte
destemido
audível!
Seus passos pesados
Oprimem meu estômago
meu peito
impiedosamente...

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 13 de maio de 2001.

segunda-feira, setembro 3



PÓTHOS

E é grande
O vazio.
Não há penar,
Há apenas
Um errar de desejos
Sem objeto em que se fixar,
Há falta do que não há.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 10 de maio de 2001.


DÃO LALALÃO

Me surpreendi amando
Em uma madrugada dessas.
Então, como boa menina que sou,
Chorei aos soluços, baixinho.
Olhei as horas,
Pela janela, vi a rua calma.
Tudo em mim pulsava!
Era o susto de se saber
Dentro do olho do furacão.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2000.