segunda-feira, março 19

VEROSSÍMIL

Mil olhares expectantes
flutuam entre fumaças,
músicas, cheiros, gostos
esbarrões, desencontros.
No final, o vazio.
Não se era,
apenas se fazia parecer.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 17 de março de 2007.

domingo, março 11

UM DIA DE SÁBADO

Amanheci melancólica. Aparentemente mal-humorada, no entanto, era só tristeza. No decorrer do dia, me dei conta de que fico assim após um encontro romântico, e não importa a natureza do encontro. Pode ser um simples chope ou uma torrencial aventura a dois.
O fato é o porquê da melancolia, caro leitor. Descobri que a melancolia se dá por ter um pó brilhante pairando os tais momentos que gela a cervical e aperta o estômago em ondas de angústia a cada manifestação de afeto, palavra meiga, gesto terno, olhar cândido dados ou recebidos. Gera-se um desconforto interrogativo: “o que faço agora?”, “Agi bem?...”, “Socorro!”
Leitor, descobri! É proibido qualquer tipo de afeição! Minha melancolia há muito avisava que as pessoas estão se proibindo de amar. Eu, você, todos e em todos os tipos de relacionamento. Todos são adeptos de atos reflexivos. Todos admiradores de auto-retratos...
Não acuso o outro. E sim, a mim... A melancolia nasceu da minha crescente incapacidade de demonstrar afeto e de indagações perpétuas e infrutíferas que começavam sempre com um “E se?...”
Mesmo que nenhum ex, atual ou futuro qualquer-coisa venha a ler essa crônica urbana (inumana...), quero deixar claro que não se trata de uma infelicidade causada por não encontrar o príncipe encantado, mesmo porque coleciono sapinhos lindos e não acredito em alma gêmea! Apenas estou infeliz por ter me tornado técnica em encontros “amorosos”.
O outro tornou-se uma esfinge que devora minha espontaneidade... Putz! Mas, como dizem na Psicanálise, achado o porquê do incômodo parte do problema está resolvido. Acredito, então, que daqui para frente irei me apresentar assim:
“Companheiro, eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, eu poderia, enfim, estar mentindo... Mas eu estou aqui apenas querendo viver algo de bom com você, que vai de caminhadas pela praia, passa por rodas de samba em noites autenticamente cariocas até a prática dedicada e contínua do Kama Sutra.”
Quem sabe no dia seguinte eu acorde com um sorriso no rosto...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 10 de março de 2007.


SARTREANDO

O inferno são os outros?
E nós ficamos onde?
Em cada vão,
Esgueirando-se entre sorrisos,
Meias palavras,
longos silêncios.
Sim, o inferno fazemos nós:
Anjos e demônios de nossas próprias angústias!


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de março de 2007.
ESCRAVOS DA MAUÁ

Penélope sem fios para tecer,
destemida pela vida
viajando fora do rumo,
fora do rumo...
no entanto,
reta em cada reviravolta de serpentinas...
Bússolas de confetes caídas pelo chão
colorindo cada passo de dança
sob a direção da bateria que já ia longe
marcando um bater de pés
em disparada.
E a mascarada solta,
correndo sem novelo nas mãos.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de março de 2007.

sábado, março 3




PRIMEVO!

E os atos repetiam
O que há séculos
O homem sempre soube:
Ser uno em dois...
Emudecer transbordante,
Empalidecer em abraços suados –
último degrau diante de um vulcão – ,
Mergulhar, então, sem desejar voltar.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2007.
TRÉGUA

Fiz as pazes com o Jovem!
O bater perdido de suas asas
Grita para meu corpo inteiro
Que é a brevidade o que faz sentido.
Então, não anseio mais o depois.
Seu vôo frenético esclarece
Que o deus dançante,
Que salta em mim, de mim,
Nasce e morre inúmeras vezes,
Eis sua real natureza...

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2007.