sábado, novembro 24

EPISÓDIOS

Cada movimento de lembrança
conduz a um cemitério interior.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 21 novembro de 2007.

domingo, novembro 11


COISAS DE VIVER

Ah! Esses olhos que tudo vêem...
Esse corpo que tudo quer,
Que tudo sente,
Que por muito arde,
Que se perde em caminhos que não há.
Essas palavras que são um mundo
E que não resolvem.
Essas mãos que nada prendem.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 11 novembro de 2007.
BALDINHA PARA UM OGRO

Meu lindo... meu rei, que saudade de ti!
E esse vento morno, entontecendo pensamentos,
Amolecendo corpo,
Que insiste em invadir o quarto
Lembrando teu calor.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 1o. novembro de 2007.

BALADA DE ARIADNE

Sempre desconfiei que Apolo fosse um chato.
Esse blá blá blá de clareza
Não ta com nada.
Bom mesmo é ir fundíssimo em tudo
Ser arrastada por
Gargalhadas, mãos, salivas, pêlos,
Boba a boca com o desejo,
Olhos marejados de gozo.
O resto é besteira!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2007.
PROIBIDA PRA MENORES E MAIORES

Engatilhada
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere
Disparara e fere.
Mulher com alma de menina.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2007.
CRÔNICA FELINA

Gato sem dono é gato feliz! Vida de gato não inclui coleira, hora marcada, correr atrás de próprio rabo. Gente que se vê nessa mesma condição de personalidade e felicidade já foi gato em alguma vida e insiste nessa solidão beatificada, nesse olhar sarcástico, sério, doce, nesse fica a contemplar da uma mureta qualquer o mar em dias de ressaca sem correr, porque também tem a alma revoltosa. Comunga com o movimento da vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2007.

ESMERALDAS

Tudo de gato:
Olhos blasés,
Bigodes-antenas
A farejar sentidos – doídos, doídos... –,
Língua percorrendo de cabo a rabo o mundo,
Experimentando venenos com gosto bom – aparências fakes –,
Independente a passear pelas ruas com ou sem luar,
Arrojadamente só e, pasmem! Feliz – felino sem ser ferino.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2007.
À LA MICHEL MELAMED

O amor não é eterno.
Nos atos e palavras de torná-lo
Para além de tudo e todos,
Precipitamos sua transmutação
Em sentimento oco,
Pronto para explodir e propagar vazio.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2007.

DEAD LINE

Somos
o único animal
que
deliberadamente
procura a autodestruição
que opta pelo erro
sabendo ser erro.
Talvez, por isso, sejamos
o único que enlouquece.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2007.
REFLEXÃO

Com que você compartilha sua alegria?

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2007.

CICLO

O zero é um número metafísico.
Inicia. Antes do nada só vazio.
É o oco antecedente.
O caos inicial poderia ser representado por ele.
Zero é o desenho matemático do gênesis.
E depois dele não há mais nada.
Ele não é sucessor de nenhum número:
Cobra engolindo o próprio rabo.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2007.
CHAMADO

Você…
Você.
Você!
Ligou
E eu
Fora de ar,
Fora de ti: braços, boca
Pernas, ombros, barriga...
Fuera de tu vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2007.




INAPREENSÍVEL

No meio do segundo existe você:
Flecha rompendo céu à noite,
Invisível! Invisível!
Apenas possível
Pela boca que tateia pele,
Engole cheiros, bebe vozes.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 04 de outubro de 2007.




O DIA SEGUINTE

Vivi a experiência
solitária
de negação à vida.
Ruídos de alma
percorrendo corpo
procurando corpo que não há.
Dor de razão.
Razão de guiar o destino.
Vivi a morte
antes da vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2007.

DAS ANDANÇAS

Tenho pavor a arrependimento
Por isso faço uma merda atrás da outra.
Mas vivo! Ah... se vivo!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2007.

MATERNIDADE

Tudo em dobro é
dor e alegria múltiplas,
tudo ao infinito de possibilidades,
tudo mais e mais e mais...
E um vazio crescente
causado pela exaustão
de ser plena: mãe e/ou filha.
A condição é o de menos quando se é.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2007.

quinta-feira, novembro 1

ALÉM DO BOJADOR

A vida,
Se for pesada ou não,
Depende de tua força.
Doar o corpo todo
Em exercícios de existir
É preciso.
Transcender depende disso!

Boa vida nova!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2007.
AÍ DE NÓS!

Duas almas se chocam. Fogo e água. Mélange. Fluição e fruição. Perdem-se corporalmente também. Um vai embora sem algo com a ilusão de plenitude comprada em shopping. O outro fica totalmente vazio de sólidos, sem recibos ou notas fiscais. Ambos com espaços para preencher de idéias, desejos, desencantos.
Sempre colisão, sempre, sempre!
Dois universos paralelos com todos os correspondentes contrários cruzando-se num daqueles momentos em que Deus dá uma cochilada. E, portanto, eles abalam a ordem de seus eus pequenos e burgueses. Ficam de pernas pro ar! Tocam-se, trocam-se em invasões profanas – identificação sem marcas de autoria.
O que é de um e do outro? Não sabem... E vão sendo, simplesmente sendo, em desfazer-se e/ou fabricar-se cortante. Ansiando mais estranhamentos que consideram normais, comuns e familiares até.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2007.
INCOMUNICABILIDADE

Jogo garrafas ao mar todos os dias
E são muitas as leituras da metáfora desse mar...
Algumas voltam, outras se perdem, simplesmente, se perdem
Em redes de pesca, em recifes, em estômagos de tubarões
Ou ainda são quebradas por pranchas
São lidas as mensagens? Incógnita!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2007.
TORPEDOS

– Estou com uma vontade enorme de te...
– Se eu fosse um gênio, realizaria teu desejo agora...
– Só esse ou todos os meus desejos?
– Todos! Afinal, eles se confundem – fundem – com os meus.
– Olha, olha que eu vou cobrar!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2007.
CANTO

Motor! Ranger de dentes, lubrificação, secreções,
Ardência da face arrastando-se nos lençóis.
Ode futurista a mais antiga das máquinas: corpo!
Corpo teu que, posseira acidental,
Faço-o meu, in-tei-ra-men-te meu!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2007.
HÁ A NECESSIDADE SUPREMA DE ABNEGAÇÃO NO AMOR AO SAMBA

O título é um trecho de Hiran Araújo, um apaixonado por carnaval e estudioso dedicado do tema. E é em nome de amor igualmente incondicional que amigos fundamentais – como conceitua belamente Nelson Rodrigues – fundam um bloco singular que ousa ir além do real e aceitando quem for bom da cabeça e sadio do pé mesmo por vias virtuais.
Em um primeiro momento, nossos desfiles se limitam pelos bares e nosso som e à capela. Usamos o instrumento musical primordial: a voz.
Com três etapas, logo, com três nomes distintos. Eis o mistério da trindade carnavalesca: Cordão da Jaca Dura, Unidos da Afliceta e Pororoca. Um está no outro e os dois primeiros formam o terceiro: encontro das águas com todo vigor e beleza que há nos encontros da vida!
A saudação entre os integrantes: Evoé! Evoé! Como bons carnavalescos, saudamos a Baco. “Evan” é um dos epítetos do deus, que nunca esquecido, permanece entre nós nesses dias momescos e por todo ano pelos bares da cidade. Podem nos chamar de bacantes, embora não cometamos toda sorte de excessos como na Antigüidade elas faziam – os excessos agora são cometidos só por políticos... altamente apolíneos... Nossos excessos são de alegrias, de sorrisos, de incontinências prazerosas, que é o que carioca anda precisando.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2007.
LOUCURA

Ela partiu
e nunca mais
voltou.
Partiu
para um lugar
qualquer,
dentro de
um olhar
qualquer,
de uma
pessoa
qualquer
na multidão.
Hoje, temos
outra disfarçada
dela.
Muito diferente:
sóbria,
delicada,
enfartada pela realidade.
Ela se foi,
para nunca
mais voltar.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2007.
APOCALÍPTICO

Luz,
luz por todo lugar!
A terra é sugada pelo céu
e as águas invadem olhos, bocas,
levam corpos para nunca mais.
Estrelas de mil pontas
e uma mulher vestida de sol anunciam o final.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2007.
RETALHOS POÉTICOS

Tire seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor.
Meu coração não quer dinheiro,
quer poesia.
E agora, José?
Tudo vale a pena:
Uma faixa amarela bordada.
Não quero choro nem vela
quero uma fita amarela –
ou a tal faixa...
To be or not to be,
Pãos ou pães é questão de opiniães.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2007.
TALVEZ NIETZSCHE ENTENDA

Sou de uma intensidade
anacrônica!
Intuo seriedade
em uma ida ao cinema.
A latência de uma crise
que se anuncia
nesse simples ato me fascina!
Estou
deliciosamente
fora de meu tempo
e comungo no agora do passado e do futuro.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2007.
MEU!

O não-amor
reúne
todas as possibilidades de amar.
Não se encaixa,
não tem rótulos,
por isso é tragicamente uma sensação sem palavras,
tragicamente belo...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2007.
SIGNO

Peixe a esgueirar por
vagas
de não ser.
Nada define.
Sou sem estados.
Não há nomes
para minhas muitas funções,
condições.
Vivo na intermitência – penitência? –
de um não-lugar constante.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2007.
CIRANDA

Beber contornos,
cada vão.
Palmear a pele, arrepio!
Sentir com boca, língua, pernas, virilha
o corpo inteiro.
Esponjar-se como gata
e ronronar
as ânsias dos atritos.
Engolir seiva,
adornar-se com pêlos, suor,
fazer do corpo do outro
moldura do meu.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2007.
CANTO DE GUERRA

Pertenço à casta dos guerreiros,
O sopro de Ogum me movimenta
Ogum ê!
Meu pai, me leve pelas mãos,
Abra os caminhos meus!
Em sua garupa, veloz sigo adiante,
Rosto é espelho de sua força.
Ferro percorre corpo
Corpo é aço contra o mal.
Ogum conquista o externo e o interno
Vence batalhas dos homens, batalhas das almas.
Lucidez expressa na loucura da ação.
Ogum acode!
Ogum é justo!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2007.
SUMO

varão: metonímia e metáfora,
representação perfeita,
vara em vai e vem:
vida(!) derramada
pelo lençol, pelo chão,
pelos corpos em caracol
esquecidos de despertar,
colados por visgos salgados,
alagados em suor,
naufragados em mar particular.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2007.
QUEDA EM NÓS

Sinto a flor da tua dor
De pétala em pétala:
Gotas de sal caídas em pontos de meu corpo.
Unhas raspando pernas, ventre,
Mãos apertando seios,
Gozos em ais: dor!
Entrega final de alma.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2007.
INFÂNCIA

I

Meu tio e padrinho correndo da noiva!
Saltos e saltos pela janela do quarto
Fingir de doente arrumado por baixo do lençol para ir par ao samba.
Boêmios de Irajá...

Mulatas lindas entrando
Estátuas de vermelho e branco
Na sala de estar
Eu menina puxando os pompons brancos da roupa de uma delas.
Fascínio! Quero ser assim quando crescer!
Boêmios de Irajá...

Meu tio me fantasiava de vascaína
E levava para passear na estação, na porta do cinema.
Boêmios de Irajá...

Velocípede de acento de madeira
Ovo de Páscoa com bolinhas de chocolate dentro
Único banho na piscina do clube.
Boêmios de Irajá...

Dos filhos de meu tio, dois homens, nenhum ama o carnaval,
Nenhum ama a noite.
Vascaínos por descuido.
O legado foi passado poeticamente
Através de uma presença que se fazia pela alegria de viver,
Encantamento de convívio.
Boêmios de Irajá...
(17.07.2007 – 10h10min)

II

Menininha indo dormi:
– Bença, Mãe!
– Bença, Pai!
– Bença, Dinda!
– Bença Dindo!
– Bença vô...
Mergulho em berço esplêndido!
O siom do mar vinha de dentro da noite,
De dentro de mim...
(17.07.2007)

III

Eu pedia para minha vô me cobrir e rezar
Antes de dormir.
Ela ficava sentada,
Fazendo sombra
E a luz chegava ao meu rosto,
Então, podia ter um banho só do olhar cansado de minha vô.
Que saudades da minha vô!
Que orgulho da minha vô!
Portelense
Chopinho claro ou escuro.
Passeios pela Tijuca!
Confeitaria Colombo!
Velas para as almas!
Coque grisalho...
Reminiscências de uma netinha com mãos de pianista...
(17.07.2007)

IV
– Baia! Baia!
– Oh, minha branca...
– Cê vai no meu aniversário?!
E ela foi de azul brilhante
E me deu alegria.
Corria para ela onde quer que estivesse,
Abraçava, beijava aquela mulher negra, forte, trabalhadeira.
Tanto amor, tanto carinho.
– Mãe, ce vai levar chuchu para Baia também, não vai?
O que aconteceu com Dona Maria?
(17.07.2007 – 10h 34 min)

V

– Cachorrinho lindo!
Meu primo adolescente me deu para segurar e disse que poderia ficar com ele. Pedi ao meu pai se poderia ficar com ele mesmo. Queria derrubar sobre o pequeno baldes e baldes de brincadeiras!
Sai de casa da minha tia com meu pai levando um saco de papel pardo, com o cachorro dentro. Peguei o ônibus, desci e fui correndo para casa levar meu cachorrinho.
Saco vazio... Todos mentiram... Foi minha primeira sensação de perda, minha primeira dor de engano.
A argumentação óbvia e mesmo verdadeira – você tem medo de cachorro! – o coro doméstico repetia. Não justificava, mesmo hoje, o engano. Se não podia, por que a oferta? Se não podia, por que o ilusório? Aprendi que os adultos mentem. Pronto: acabara de morder do fruto proibido.
(17.07.2007 10h 45min)

VI

Hoje, quando vou à Portela
Parte de minha infância vai comigo.
– Olha, vô, eu aqui!
Homenagem em samba e cerveja.
Certeza de que ela seria a mais linda das baianas!
(17.07.2007)


VII

Decididamente minha infância não foi drummondiana...
(17.07.2007)


VIII

Praga de madrinha tenho aos montes.
Todas já caducaram, graças a Deus!

(17. 07.2007)


IX

Biau de sorriso doce e suas histórias sobre a Bahia.
Quando ela voltou para Salvador fiquei cheia de saudade – inaugurava esse sentimento! Minha amiga adolescente não me esqueceu: recebi uma carta, ganhei uma jangadinha na sua volta. E assim foi minha infância e adolescência: povoada de histórias.
O primeiro dia que cheguei em Salvador, anos e anos mais tarde, eram aquelas histórias que lembrava, era o Elevador Lacerda que procura, era com Itapuã e Pelourinho que sonhava. Tudo igual, igual a Salvador da Biau. Descobri pasma que Salvador já existia em mim. Foi como visitar minha amiga, dar a mão a ela como quando criança e perambular pelas subidas e descidas da cidade.
Desde então, voltar a Salvador é voltar a encontrá-la e encontrar uma alegria construída por afeto, só possível de traduzir se comparada a um mergulho nas águas da Lagoa do Abaeté.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2007.
CASAMENTO

De colo em colo
entre tropeços, facadas,
arremessos, saltos, saltites,
angústias, alegrias!
Com feridas de guerra,
Colecionando cicatrizes –
que adquiriram até um certo charme.
Em farrapos, cansada, turva, pagando faltas de outras vidas.

No alto da alameda, o sim.
Clarins! Clarins! Clarins!
Corpo e cabelos escorridos
em um todo claro, esquio,
diáfano, sensorial, etéreo.
Mulher vestida de luz.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 03 de julho de 2007.