domingo, agosto 31

IDÉE FIXE

Moinhos de vento
Moinhos de vento
Moinhos de vento
Vento vendo
Veeeeem tudo triturado
Pelos cantos
Espalhado e insistindo em ficar
Embora seja sombra
Embora seja miragem
Embora seja névoa
Embora seja susto

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2008.

quinta-feira, agosto 21

HOMEM IDEAL

Que seja mais macho do que eu.
É pedir muito?

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 21 de agosto de 2008.
EROSÃO

Tu me ligaste, Ogro!
E já há tempos te desejava
E não vinhas.

Só ventanias
cortando rochas.
Só chuvas
abrindo fendas.
Só raios
rachando árvores
Só trovões
rompendo campos.

Solidão em três atos,
uma quase comédia de costumes.
A paisagem já é outra
novas fronteiras,
mapa-múndi mo(e)dificado.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2008.
AULA DE SEXTA

Uma moça com nome de flor guarda coisas do enxoval e as usa em uma rotina marital que não há. Rosa azul nos atos e no nome. Alma romântica, pois não? Mas e eu, meu Deus?! O que guardo ainda por não guardar coisa alguma? O que uso ainda com e nesse meu desapego pelo que não é utilitário, utilizável, último de nós? O que eu faço com essa imaterialidade que me assombra mais até do que os garfos da moça-botão-congelado usados casualmente nas refeições feitas no trabalho? E que nome eu dou ao vazio que psicanalista lacaniano algum ousaria investigar?

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
ESSÊNCIA DO AMOR

Transitivo e transitório:
amor em estado bruto.

O que estraga é burilar a pedra,
dá-la muitas faces lisas,
espelhos para o nada.
O que estraga é o adorno
de plástico
que fica fosco
com a poeira dos dias
sem primavera.
O que estraga
são os planos
sobre o que não virá.
O que estraga
somos nós!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
INCENDIÁRIOS

Arde-me todo o corpo.
Tenho sede, sede, sede!
Sede e nada mais.
Seda-me o mais:

Sois
Sóis em colisão.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
UM ARCANO MAIOR

Estrela caiu em mim
Queimou-me o corpo
Tornou-me prata
Renovou-me em composição de guerra,
dinossauros, perfumes, olhares, palavras, gozos.
Transformou-me em pontas agudas esparramadas:
antenas incessantes de e insaciáveis por
vida.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
VATICINANDO

Ando assim há dias! Adiar de felicidade que pressinto, logo, que já existe. Ela ronda ladina, mansa... Mançano! Mançano! Ah... morder o fruto... e ser arrebatada... Voltar, então, ao sentido da vida.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
CONVERSINHA ENTRE IRMÃOS

Tenho jeito não...
Perdida é que me encontro
O mais?!
É o beijo da Noite.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
ENTÃO...

Vivo a crise de Fausto estendida:
a vida é curta para tudo que desejo saber e para os amores que quero ter.
Estado de avessos rosianos:
Diadorim em síntese,
anjo e demônio,
cabala!
Perfeitamente
todas as possibilidades reinantes
na infância da maturidade.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2008.
RELEITURA

De branco e com flores,
Ofélia ressuscitada e contemporânea.
Já é outra
E vive de amores
Pelos bares,
Pelas ruas assobiando um sambinha maroto
Pela Avenida de azul e branco desfilando.
Mergulho?! Só em palavras e copos
E destes volta sempre plena e renovada.
A visão frágil contrastando com um ser em armas:
Perfeitamente humana!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2008.
EXULTANTE

Tão, tão feliz!
E a felicidade
é aqui
é presente,
é factual,
in medias
Gravada no ah... de agora!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2008.

sábado, agosto 16


Bar do Juca, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

Carioca da Gema, Lapa

15.08.2008

quinta-feira, agosto 14



FELICIDADE CLANDESTINA

Clarice Lispector

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos de blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do recife mesmo, onde escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranq6uilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que eu dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Cheguei em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem toca-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.


LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 9-12.

quarta-feira, agosto 13

OLHANDO ATRAVÉS DA VIDRAÇA

Ser que se pré-ocupa de tudo
E está sendo obrigado a viver um dia de cada vez,
Em crescimento paulatino e amarrado,
Contido em vinte e quatro horas.
Não há tempo para ansiedade
E tudo se resolve assustadoramente em tranqüilidade.
Há paz nesse viver sem amanhã,
É-se hoje, necessita-se se hoje.
Ser antes atormentado pelo devir,
É hoje em profusão, em ebulição,
Descanso no olho do furacão.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2008.
EM GRAÇA

Estou deliciosamente tomada por presente e por futuro,
Cega para tudo e terrivelmente tátil para o mundo!
Estou cinética! Fortemente expressiva em vozes e atos.
Estou texto e som e canto e dança.
Viver assim provoca uma fúria doce!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2008.

domingo, agosto 3

DESCOMPASSO

Eu queria poder ser
longe de todos.
Mas me amarraram aqui,
Mas não me deixam sair,
Mas ainda existe ar
nesse cubículo absurdo
que chamam de vida!

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 31 de julho de 2008.