terça-feira, maio 27

CRISIS

Sou um perigo social:
minha felicidade não depende do outro.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de maio de 2008.

sábado, maio 24


VENTANIA

Saber chorar?
Por que chorar?
Os deuses não sabem
nem nós.
O canto de uma iaô
Chama o canto de outra iaô
No assobio do vento de Iansã
Para a menina vir bailar.
O canto de uma iaô
Em eco é chama a iluminar
a coreografia, a atiçar corpos.
Os deuses são e só.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2008.
BOLA OITO FORA

Quem é que sabe o que fazer
quando o não-amor
tornar-se patente
diante dos olhos
na representação cabal
de um corpo estranho
ao próprio amor?

Para haver traição
É preciso número par,
Par desfeito em ímpar trio,
Trágico gozo de ódio e delírio.
É preciso ter um que ama
no dois em desencontro
gerando trindade
da carne em destroços.

No veludo verde,
não corre mais o riso,
tacos esparramam
o espasmo do uno
em indilacerável solidão.
As garrafas transbordam em convulsão:
o menino dentro do homem vivendo
com intensidade milenar
o desespero de desejar
o desejo do outro.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2008.
BILHETE DESESPERADO

Estou lascada! Meus olhos e ouvidos não captam nada, nobody. Nobody... can be like you. E estou tão eu sem você que os vizinhos já estão notando. Caminhar no calçadão não resolve. Jogar sinuca me desgasta. Esses rodopiares vagos só desatinam: olho d’água secando perto de construção em cidade grande.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2008.

domingo, maio 18

SENTIMENTOS NADA NOBRES

Um surto de inveja mareja os olhos desse homem que não entende o episódio. E indaga-se entre o pasmo e o ódio: por que não eu?! A sala apocalíptica reflete calma. As cadeiras mudas contaminam tudo. O rasgar dos envelopes, o correr da caneta, a luz na parede.
Saída e entrada. Transpor a porta é cair no corredor efêmero entre o sim e o não. Um mundo que se apresenta sem possibilidades. Uma não-aceitação sufocante.
Como ser estóico? Como não morder o pecado, não lhe sugar todo o úmido, não roer os caroços, não engolir a poupa áspera em grandes dentadas? Como não olhar a felicidade sem a querer para si?
O homem sofre porque é homem! A perfeição é uma artimanha do Diabo e uma utopia de Deus.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2008.

sábado, maio 17

SOL DE OUTONO

Tive tanto, tanto, tanto medo que segui adiante como maratonista, como noiva que só enxerga a luz do altar. Tudo azul claro, a sala vazia, o corpo alongando. Desespero sendo derramado pelos olhos, pela respiração quase cortada. Tanto, tanto medo que a aparência era de calma estúpida. Tanto, tanto medo que não voltei atrás e descobri um tipo de beleza triste: debater-se em fúria acelera a morte. A luta é toda pra dentro. Sangue, músculos, ossos, consciência, intuição. E ter medo é muito bom!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2008.

domingo, maio 11

A MORTE

Dilacerado.
Pedaços de mim
em gavetas,
prateleiras da geladeira.
O coração na boca de um gato,
os olhos abertos na roseira.
E a consciência
lúcida e ardida
a tudo assiste.
Num movimento lírico
está pronta para catar tudo
e compor um outro mesmo ser:
borboleta despigmentada
camuflada no vento.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2008.
O MUNDO

Céu azul turquesa escuro.
Amo os azuis do céu de maio.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 08 de maio de 2008.
O ENFORCADO

O tempo passou e nada aconteceu. Ainda é ontem. Um ontem transfigurado, amargurado, com cogumelos a brotar pelos cantos de lembranças. Ainda é ontem. O cerne de sempre. O hoje de faces novas e contraditórias ilude o espectador. A inércia camuflou-se durante esses quinze anos. Comemora-se ainda um aniversário de morto numa insistência involuntária. Virar ou não virar o jogo: eis a questão.
Ela se levanta. Pega água. Molha as plantas. O girassol cresceu bem apesar do quase frio do outono.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2008.
O DIABO E A ESTRELA

Ultrapassada as barreiras,
deixados os vícios
e as vozes
e as ações
que seguram braços e pernas de sonhos,
O eu chega
a um espaço pleno
onde se plantando tudo dá:
imanência e transcendência lado a lado.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2008.
SEM REMÉDIO

Santa Clara em Caetano é som de violão
de menino num salto para trás de anos outros,
anos longos. Acordes em acordo
com tudo, para tudo em tudo,
acordes clareando tanto!
Mas os olhos eram cegos,
e as mãos tateavam em vão.
Não reconheciam os signos,
não decodificavam:
esfinge devorando a felicidade.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 04 de maio de 2008.

domingo, maio 4

CONTRIÇÕES

Com que dor, por fim, me despeço do carnaval...
Ai de nós, que só queremos ser felizes!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 04 de maio de 2008.
GULA

Meu Deus! Meu Deus! E o mundo desabando, o chão rachando, escoando séculos e séculos de civilização para então se ver que a “hortelã matinal" é só um detalhe. A fome maior é de amor. E amor eles tinham ali, deitados, enroscados, projetados no nada do mundo que é burguês, mas que para Darwin é tudo, mas que para Marx é falta de perspectiva, mas que para todos os bons e os maus é alguma coisa! Nos entre cantos do entretanto um olhar percebe a ânsia louca e ancestral de ter o outro. No meio do casual olhar um retrato de todos nós.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 04 de maio de 2008.