quinta-feira, abril 26




MARICÁ

Mar
A cá, ici
A ir

Là-bas!
Corpo de baile
Arrastado
Em festa pelo mar
Pelas ruas
Pelas músicas
Em procissão dionisíaca
Por dentro da noite
Là et là-bas.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 25 de abril de 2007.


INTERDITO

Vultos na areia – pulsação
Vento gelado – sorrisos
Orquídea de poucas floradas – brasa
Laços de abraços rompidos – desfeita
Um corpo que se afasta – repulsa
Outro que arde – solidão

Areia invade o ser,
O mar bate, arremessa, despenteia,
Mistura-se ao sal do corpo
Que transborda em cachoeira do olhar estático.

Menina-flor a vagar pela madrugada...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 25 de abril de 2007.
TOUTE LA VIE

Destino, acaso ou o que quer que seja
possuem
dentes de cortar e rir,
mãos de sufocar e render,
olhos de vigiar e iludir,
ações, ações, meu Deus, ações de enlouquecer
tamanha a clareza dos fatos
que, por sua vez,
não provam coisa alguma: a coerência não faz parte da vida.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 19 de abril de 2007.

terça-feira, abril 17




PARATY

Mais! Muito mais que uma rua!
É o porto...
Subidas, descidas, vielas, becos em fogo...
Ligam terra e mar: montanhas debruçadas sobre os seios do mar,
Enlaçam terra e céu: ventos indo e vindo por galhos,
amarrando olhares e paladares – vendaval de respirações...
Tocam pedras e água: luz bebendo no colo da Mãe d’água!
Brotam cachoeiras de lágrimas e de chuva: meninos em festa em água gostosa de brincar!
Levam ao mangue: nascedouro e berçário dos filhos de Iemanjá,
Onde tudo nasce,
Onde tudo escorre e desliza sobre pedras no encher e descer das marés,
Em perene vai e vem,
Inundação de corpos,
Que enfeita a pele com correntes de sal,
Enfeite perfeito para todos.

Angélica Castilho


Rio de Janeiro, 16 de abril de 2007.





TRAVESSIA

Na ponte,
entre dois mundos,
entre lá e algum lugar,
entre sempre entre,
em nenhumlugar.
O homem é sua travessia.
Pedras e pedras
constroem o caminho
em vielas para mim, para ti.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2007.

Feito em inspiração da foto da ponte em Paraty e associando a Grande sertão: veredas, de guimarães Rosa.
VÊ SE ME ERRA!

Estou de novo fugindo.
Sinto uma necessidade urgente de ficar longe de quem desenvolve síndrome de pombo-correio.
Não entendem que não quero notícias do mundo?!
Simplesmente não quero saber a quantas andam os joões e as marias que outrora perambulavam pela minha vida.
Perdão, mas não preciso tomar conhecimento. A ignorância é nutriente e mantenedora de felicidade – Estou feliz, caso não saibam ou caso saibam. – Para que saber de quem não se ama mais? Não partilho dessa curiosidade mórbida e sadomasoquista que portadores de SPC possuem. Sou uma pessoa saudável: durmo bem, caminho, malho, bebo por prazer, sambo et je fais d’amour! Meu Deus, eu vivo! E aconselho a você que viva também. Deixe de lado os pormenores alheios, cure-se!

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 17 de abril de 2007.

sábado, abril 7

RESÍDUO SENTIMENTAL

Qualquer coisa de suave atravessa a janela: vento.
Traz gostos, risos, olhares, amenidades abandonados,
Roda em cambalhotas de lembranças a alma,
Que se equilibra por entre fios de sensações passadas,
De imagens projetadas em preto e branco,
Sem som na parede do quarto,
Na contracapa de um livro qualquer.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de abril de 2007.
MAZELAS

Tal qual caixa de Pandora,
Qualquer objeto manipulado
Qualquer palavra dita torta
Qualquer ação descuidada
Tudo podem suscitar: sabedorias tão óbvias
Que congelam toda esperança de amanhã.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 07 de abril de 2007.

segunda-feira, março 19

VEROSSÍMIL

Mil olhares expectantes
flutuam entre fumaças,
músicas, cheiros, gostos
esbarrões, desencontros.
No final, o vazio.
Não se era,
apenas se fazia parecer.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 17 de março de 2007.

domingo, março 11

UM DIA DE SÁBADO

Amanheci melancólica. Aparentemente mal-humorada, no entanto, era só tristeza. No decorrer do dia, me dei conta de que fico assim após um encontro romântico, e não importa a natureza do encontro. Pode ser um simples chope ou uma torrencial aventura a dois.
O fato é o porquê da melancolia, caro leitor. Descobri que a melancolia se dá por ter um pó brilhante pairando os tais momentos que gela a cervical e aperta o estômago em ondas de angústia a cada manifestação de afeto, palavra meiga, gesto terno, olhar cândido dados ou recebidos. Gera-se um desconforto interrogativo: “o que faço agora?”, “Agi bem?...”, “Socorro!”
Leitor, descobri! É proibido qualquer tipo de afeição! Minha melancolia há muito avisava que as pessoas estão se proibindo de amar. Eu, você, todos e em todos os tipos de relacionamento. Todos são adeptos de atos reflexivos. Todos admiradores de auto-retratos...
Não acuso o outro. E sim, a mim... A melancolia nasceu da minha crescente incapacidade de demonstrar afeto e de indagações perpétuas e infrutíferas que começavam sempre com um “E se?...”
Mesmo que nenhum ex, atual ou futuro qualquer-coisa venha a ler essa crônica urbana (inumana...), quero deixar claro que não se trata de uma infelicidade causada por não encontrar o príncipe encantado, mesmo porque coleciono sapinhos lindos e não acredito em alma gêmea! Apenas estou infeliz por ter me tornado técnica em encontros “amorosos”.
O outro tornou-se uma esfinge que devora minha espontaneidade... Putz! Mas, como dizem na Psicanálise, achado o porquê do incômodo parte do problema está resolvido. Acredito, então, que daqui para frente irei me apresentar assim:
“Companheiro, eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, eu poderia, enfim, estar mentindo... Mas eu estou aqui apenas querendo viver algo de bom com você, que vai de caminhadas pela praia, passa por rodas de samba em noites autenticamente cariocas até a prática dedicada e contínua do Kama Sutra.”
Quem sabe no dia seguinte eu acorde com um sorriso no rosto...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 10 de março de 2007.


SARTREANDO

O inferno são os outros?
E nós ficamos onde?
Em cada vão,
Esgueirando-se entre sorrisos,
Meias palavras,
longos silêncios.
Sim, o inferno fazemos nós:
Anjos e demônios de nossas próprias angústias!


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de março de 2007.
ESCRAVOS DA MAUÁ

Penélope sem fios para tecer,
destemida pela vida
viajando fora do rumo,
fora do rumo...
no entanto,
reta em cada reviravolta de serpentinas...
Bússolas de confetes caídas pelo chão
colorindo cada passo de dança
sob a direção da bateria que já ia longe
marcando um bater de pés
em disparada.
E a mascarada solta,
correndo sem novelo nas mãos.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de março de 2007.

sábado, março 3




PRIMEVO!

E os atos repetiam
O que há séculos
O homem sempre soube:
Ser uno em dois...
Emudecer transbordante,
Empalidecer em abraços suados –
último degrau diante de um vulcão – ,
Mergulhar, então, sem desejar voltar.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2007.
TRÉGUA

Fiz as pazes com o Jovem!
O bater perdido de suas asas
Grita para meu corpo inteiro
Que é a brevidade o que faz sentido.
Então, não anseio mais o depois.
Seu vôo frenético esclarece
Que o deus dançante,
Que salta em mim, de mim,
Nasce e morre inúmeras vezes,
Eis sua real natureza...

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2007.

segunda-feira, fevereiro 26

SOBRESSALTO

Olhar oblíquo e também palavras,
Estas de vôos alucinados em ais...
Onde estais que não respondes?!
Eco no ermo da cama
Cansaço da dança por entre tochas
Hécate! Presente em todas nós
Desperta na madrugada
Em sonhos nunca suspeitos,
Ave sem pouso...

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2007.

sábado, fevereiro 24

ANITA

senhora anacrônica
e que por tal
é dona de seu próprio tempo!
Rebento de eu
que não cabe em tão pequena borboleta
e que faz do efêmero transcendental
enquanto perdura o não-fim dos intervalos de minutos.
Uma palavra: carnaval...

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2007.

quarta-feira, fevereiro 21

BALADINHA DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Carnaval, carnaval...
Eu fico triste
quando acaba o carnaval.
Abas de chapéus,
azuis em sorrisos,
abraços em serpentinas,
amigos de fé esbarrando-se
em blocos em acasos
abençoados por Momo!
Tudo indo pela memória digital
tatuado pelas lentes...
Fugacidade da alegria de viver
cada minuto a exaustão!

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2007.

sábado, fevereiro 10


CONJUNTURA

Bocas percorrendo bocas:
Sofreguidão!
Percorrendo o dorso,
Descendo as vielas do ser.
Ter!
Sentir o gosto da voz rouca,
O corpo dentro:
Sofreguidão!
Navegações pelo peito nu
Vai e vem
Avanços de eus,
Profundos desejos
Em alto mar.


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 08 de janeiro de 2007.
Madrugada

quarta-feira, janeiro 31

MUTATIS MUTANDIS*

Encruzilhada
com sentidos pulverizados
e que, por isto,
mudaram suas naturezas.
Vida sem viço,
viscosa
escorrendo pelo corpo
inerte e ardente.
O olhar, no entanto,
permanece alerta,
vidrado em um agora eterno,
porque tudo é repetição
do que foi e do que será,
volta constante ao ponto de decisões,
dor muda
de grito paralisado
na garganta.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2007.
Após conversa com minha mãe. Às 20h.
* mudado o que deve ser mudado.

domingo, janeiro 28




CRIAÇÃO

Escuridão em silêncio, em aconchego,
Em exaustão de corpos e de palavras.
A felicidade tem muitas faces.

E o espírito de Deus pairava sobre a sala.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2007.