domingo, junho 29

PAUX-DE-DEUX

Saudades, muitas saudades de ti, amiga.
Ontem fomos pela vida... andando pelo Centro, por Copacabana, pela Lapa. Dançamos a noite toda: o ritmo de nossos corpos era um só dentro da variedade de sons. Passos intensos e desencontrados de nós mesmos, monocórdios. Essas nossas loucuras de sempre que, parafraseando Chico, esperam o carnaval chegar...

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 29 de junho de 2008.
ANAGNÓRISIS

Um olhar apenas
que me reconheça:
ato de salvação!
Um ato apenas
que arrume o enredo
e traga um sentido a tudo.
Uma palavra
que seja
sentença e mais nada.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2008.

quinta-feira, junho 19

POÈTES MAUDIS

Condição única e cabal
de saber-se
quando é consciência
e de intuir-se
quando é paixão.
E, por isso, se arrasta
e flutua, se entrega
e vence,
é só, profundamente só,
porque conhecer não implica solução.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2008.

domingo, junho 15

CLOWN

Andando em passos lentos, com olhar baixo, cigarro apagado pelo vento e pela chuva, entre tropeços pelos paralelepípedos, segue a dama de triste figura. Maquiagem borrada, meio sorriso, cabelos escorridos, olhar aceso: faróis! Passa invisível a ex-metonímia da alegria pelas portas dos bares. É tarde! Cadeiras sobre as mesas, chão sendo lavado. Daqui a pouco será dia... Apressa o passo para fugir do sol.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2008.

quinta-feira, junho 12

PÁGINA DE DIÁRIO

Não tenho tido paz.
Os sonhos confusos trazem festas, rosas e rosas em buquês sobre uma cama que não dividimos. De todos, um era pra mim e não se fazia segredo disso. Todos os nossos conhecidos nos olhavam e sabiam.
Os sonhos tortos trazem o corpo de um e o nome de outro em almoços fartos de família, mas nós sabíamos quem éramos.
Os sonhos táteis trazem aconchego, diminuem a saudade, embora não possuam enredos diferentes da realidade.
Sobem pela garganta angústia e choro todas as manhãs.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 12 de junho de 2008.
PALIATIVO

Caçada
Em noite escura.
Todos os gatos são,
Isto basta
A quem não tem pão
E a fome é grande.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 10 de junho de 2008.

terça-feira, junho 10

ROSTOS E RETRATOS

Ais abafados
No corpo vivo.
Negação!

A mão abre e deixa escapar o pássaro,
O braço estende-se em posição de soldado,
O joelho quebra,
Mas a lágrima não vem.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de junho de 2008.
IMPROFÍCUO

Falas, buzinas, apitos,
Gritos
Risos, freadas
Semáforos, calçadas, tumulto
Ambulantes, Kombis
Crianças, embrulhos.

Um corpo parado espera

Alheio a tudo.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de junho de 2008.

sexta-feira, junho 6

LUTA AFOBADA

A verdade
em mutações delirantes
tem passos de capoeirista,
dá golpes,
lança ao chão
o corpo crente
entre os gritos da roda
e o som do berimbau.
O que segue
são as esparrelas do acaso.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 05 de junho de 2008.

quinta-feira, junho 5

FAIRE DE PROMENADE

Não estou na vida a passeio
A postura de colombina
Esconde um monge e uma tecelã
Atentos e intensos,
apaixonados por produção de sentidos e sabores.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 02 de junho de 2008.

terça-feira, maio 27

CRISIS

Sou um perigo social:
minha felicidade não depende do outro.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 25 de maio de 2008.

sábado, maio 24


VENTANIA

Saber chorar?
Por que chorar?
Os deuses não sabem
nem nós.
O canto de uma iaô
Chama o canto de outra iaô
No assobio do vento de Iansã
Para a menina vir bailar.
O canto de uma iaô
Em eco é chama a iluminar
a coreografia, a atiçar corpos.
Os deuses são e só.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2008.
BOLA OITO FORA

Quem é que sabe o que fazer
quando o não-amor
tornar-se patente
diante dos olhos
na representação cabal
de um corpo estranho
ao próprio amor?

Para haver traição
É preciso número par,
Par desfeito em ímpar trio,
Trágico gozo de ódio e delírio.
É preciso ter um que ama
no dois em desencontro
gerando trindade
da carne em destroços.

No veludo verde,
não corre mais o riso,
tacos esparramam
o espasmo do uno
em indilacerável solidão.
As garrafas transbordam em convulsão:
o menino dentro do homem vivendo
com intensidade milenar
o desespero de desejar
o desejo do outro.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2008.
BILHETE DESESPERADO

Estou lascada! Meus olhos e ouvidos não captam nada, nobody. Nobody... can be like you. E estou tão eu sem você que os vizinhos já estão notando. Caminhar no calçadão não resolve. Jogar sinuca me desgasta. Esses rodopiares vagos só desatinam: olho d’água secando perto de construção em cidade grande.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2008.

domingo, maio 18

SENTIMENTOS NADA NOBRES

Um surto de inveja mareja os olhos desse homem que não entende o episódio. E indaga-se entre o pasmo e o ódio: por que não eu?! A sala apocalíptica reflete calma. As cadeiras mudas contaminam tudo. O rasgar dos envelopes, o correr da caneta, a luz na parede.
Saída e entrada. Transpor a porta é cair no corredor efêmero entre o sim e o não. Um mundo que se apresenta sem possibilidades. Uma não-aceitação sufocante.
Como ser estóico? Como não morder o pecado, não lhe sugar todo o úmido, não roer os caroços, não engolir a poupa áspera em grandes dentadas? Como não olhar a felicidade sem a querer para si?
O homem sofre porque é homem! A perfeição é uma artimanha do Diabo e uma utopia de Deus.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2008.

sábado, maio 17

SOL DE OUTONO

Tive tanto, tanto, tanto medo que segui adiante como maratonista, como noiva que só enxerga a luz do altar. Tudo azul claro, a sala vazia, o corpo alongando. Desespero sendo derramado pelos olhos, pela respiração quase cortada. Tanto, tanto medo que a aparência era de calma estúpida. Tanto, tanto medo que não voltei atrás e descobri um tipo de beleza triste: debater-se em fúria acelera a morte. A luta é toda pra dentro. Sangue, músculos, ossos, consciência, intuição. E ter medo é muito bom!

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2008.

domingo, maio 11

A MORTE

Dilacerado.
Pedaços de mim
em gavetas,
prateleiras da geladeira.
O coração na boca de um gato,
os olhos abertos na roseira.
E a consciência
lúcida e ardida
a tudo assiste.
Num movimento lírico
está pronta para catar tudo
e compor um outro mesmo ser:
borboleta despigmentada
camuflada no vento.

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2008.
O MUNDO

Céu azul turquesa escuro.
Amo os azuis do céu de maio.

Angélica de Oliveira Castilho

Rio de Janeiro, 08 de maio de 2008.